14/10/2024 - A crescente ocupação urbana ao longo do litoral brasileiro tem trazido profundas transformações e desafios ambientais. ↓
Como em muitas partes do mundo, o litoral brasileiro é a região mais densamente urbanizada, com a maioria das capitais situadas ao longo da costa. A expansão imobiliária e turística se intensificou nos últimos anos, especialmente no Nordeste, onde praias antes desertas agora são palco da construção de novos condomínios e hotéis.
Nesse cenário de urbanização, a iluminação artificial se torna onipresente, alterando notavelmente o ambiente noturno. Entretanto, essa poluição luminosa, embora frequentemente ignorada, tem gerado preocupação entre pesquisadores.
Conhecida como fotopoluição, este tipo de poluição interfere nos ciclos biológicos de diversas espécies, incluindo plantas e animais, comprometendo o bem-estar dos seres vivos.
Os ciclos naturais de luz e escuridão são fundamentais para a regulação hormonal e padrões de sono, e a exposição excessiva à luz artificial pode interromper ou atrapalhar esse equilíbrio, resultando em sérias consequências para a saúde humana e animal. A luz branca fria, em especial, tem se revelado a mais nociva. Ela interfere na produção de melatonina em humanos e desorienta espécies noturnas e migratórias, como pássaros e tartarugas marinhas. Estudos recentes identificaram uma correlação entre a exposição a esse tipo de iluminação com o aumento de doenças como câncer, Alzheimer e distúrbios como a insônia. Para muitos, o impacto da iluminação artificial é comparável ao que a indústria do tabaco enfrentou nas décadas de 70 e 80, quando os efeitos nocivos do consumo de cigarro foram finalmente reconhecidos.
Na luta contra a fotopoluição, alguns países como integrantes da União Europeia, Austrália e Chile, já implementaram políticas públicas para reduzir o uso de lâmpadas de luz branca. O Brasil, por sua vez, já estava na vanguarda neste assunto e começou a reconhecer o problema na década de 1980, após assinar um tratado para a proteção de espécies migratórias. Na década de 1990, legislações específicas foram criadas para preservar áreas de desova de tartarugas marinhas, inclusive estabelecendo zonas de exclusão de luz artificial em áreas costeiras. Recentemente, em abril de 2024, a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) atualizou as normas de iluminação pública, restringindo o uso de luz branca fria nas vias públicas.
Neste momento do ano, com a chegada da primavera, as tartarugas marinhas começam a desovar nas praias do Brasil. Entre outubro e o final do verão, mais de 20 mil ninhos serão contabilizados, especialmente na região Nordeste, onde estão localizadas as principais áreas de desova. No entanto, essa mesma época atrai turistas em busca de lazer, resultando no aumento da iluminação artificial em áreas historicamente escuras. Essa mudança afeta diretamente a sobrevivência dos filhotes de tartarugas marinhas, que se guiam pela luz natural do mar ao emergir dos ninhos. As luzes artificiais do continente, por sua vez, podem desorientá-los, desviando-os do caminho seguro.
Para evitar que as praias se tornem impróprias para as tartarugas marinhas, é imperativo reavaliarmos nossa interação com o ambiente costeiro. O impacto da iluminação excessiva precisa ser reconsiderado, especialmente nas proximidades do mar. Locais menos iluminados beneficiam a fauna e proporcionam a nós, humanos, experiências de descanso e contemplação do céu noturno. O desafio reside em habitar estes espaços sem comprometer a sua integridade.
Uma mudança de mentalidade em relação ao uso da luz artificial é essencial e urgente. É necessário cultivar uma cultura que busque o equilíbrio entre o desenvolvimento e a preservação ambiental, entre a ocupação humana e a saúde mental. A redução da intensidade luminosa, aliada à troca das lâmpadas brancas frias por alternativas mais sustentáveis, representa um passo significativo. A conscientização acerca dos impactos da fotopoluição deve ser ampliada, através de campanhas públicas e regulamentos mais rigorosos. Agindo com responsabilidade, poderemos assegurar que não só as tartarugas marinhas, mas também a saúde pública e o equilíbrio ecológico das regiões litorâneas escapem dos danos da fotopoluição.
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